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O Retorno ao Código Ético de Comportamento


                         Edgar Morin

Cada vez mais, nós, professores, nos deparamos com a imperiosa necessidade de pôr em prática, no imediato, uma sucessão de mudanças de carácter legislativo, psicoterapêutico, sociológico, burocrático, etc., que aparentemente nada devem à verdadeira vocação de ensinar os jovens sobre literatura, ciência, matemática, línguas, arte e desporto, áreas secularmente consideradas como fundamentais para o integral desenvolvimento da mente, da opinião, enfim, da identidade individual.

O tempo foge, querem-se, melhor, exigem-se resultados por parte do Mistério da Educação com celeridade, rigor e custos mínimos, ou seja, pede-se o exercício da magia no novo palco que é a escola. O novo e insuperável truque, a pedagogia «tecno-info-cratica», veio, sem dúvida, para nos salvar dos amarelecidos valores da reflexão, da leitura e do comentário em profundidade dos corpora textuais forjados por décadas e décadas de anuição social e culturalmente fundamentada. Ninguém duvida que a renovação e a mudança são necessárias, mas nunca devem sobrepor-se a uma ética de trabalho, por parte do professor, de estudo, por parte do aluno, e de apoio e orientação, por parte dos pais, sobretudo, nunca deverá fazer-nos sucumbir à dura política dos números, das percentagens, das cotas, levando-nos a acreditar que o cumprimento a frio de tais determinações conduz inevitavelmente a melhores escolas, alunos melhor preparados e docentes mais satisfeitos e motivados. Os instrumentos auxiliam o processo pedagógico mas não vinculam os intervenientes, alunos e professores, ao sucesso imediato e inexorável, pois o contrário seria afirmar, recorrendo a uma metáfora assaz grosseira, que o fabuloso trem de cozinha da senhora Filipa Vacondeus, guru da gastronomia tradicional portuguesa dos anos 80, determinaria instantaneamente o êxito de toda e qualquer receita ou prato gourmet.

O problema real, como referiu Daniel Sampaio numa crónica da revista Pública «…é que a sociedade actual respeita pouco os códigos éticos de comportamento. Perante a pressão da gratificação imediata, muitas pessoas abandonam princípios e acordos: acreditam que todos compreenderão a necessidade de mudar o que outrora parecia fundamental.»(1) Eis que a pressa gerada pela necessidade de recompensa imediata, no caso do aluno que se quer salvaguardado do insucesso escolar, de dificuldades de aprendizagem e de desinteresses e desmotivações vários, no caso do professor que se quer gestor de percentagens e de números crescentemente positivos, conduz à falácia pedagógica da desresponsabilização. Para assegurar o cumprimento do exercício de aprendizagem e ensino na sala de aula é necessário definir regras de comportamento e aplicá-las objectivamente, responsabilizando os alunos face às suas decisões. Para assegurar o amadurecimento emocional dos nossos jovens é necessário responsabilizar as famílias e fazê-las ver que a intervenção na vida escolar dos filhos vai muito além da presença física em algumas reuniões na escola. Enfim, para termos a certeza de que o desempenho dos docentes é optimizado é urgente criar espaço para a reflexão na sala de aula, para a transmissão de um conjunto de princípios éticos e de valores, que não se compadecem com a velocidade a que as mudanças no ensino se sucedem no presente.

É necessário tempo, muito tempo e alguns retrocessos para iniciar o processo de melhoramento do gigante em que se tornou a escola, efectuar progressos em termos de resultados escolares, acomodar a massa crescente e variada de alunos. O verdadeiro desafio revelar-se-á, porventura, no que o pensador Edgar Morin apelidou de reforma do pensamento, «…não programática, mas paradigmática, que diz respeito à nossa aptidão para organizar o conhecimento.»(2) O conhecimento e a compreensão não se alcançam sem esforço, persistência, disciplina e rigor, valores humanos insubstituíveis por qualquer gráfico numérico, tabela de percentagens, computador ou projector. Tudo o resto são “panelinhas”.

Carla Escarduça

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(1) Daniel Sampaio, «Compromissos», in Pública 14.11.10.
(2) Edgar Morin, Repensar a reforma – Reformar o Pensamento – A Cabeça Bem Feita, Instituto Piaget, Lisboa, 2002, p. 21.
Edgar Morin, pseudónimo de Edgar Nahoum, nascido em Paris em 1921, é um antropólogo, sociólogo e filósofo francês, judeu, de origem sefardita. Investigador emérito do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). Formado em Direito, História e Geografia, realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia. É autor de mais de trinta livros, entre eles: O Método (6 volumes), Introdução ao Pensamento Complexo, Ciência com Consciência e Os sete Saberes Necessários para a Educação do Futuro. Durante a Segunda Guerra Mundial participou da Resistência Francesa. É considerado um dos mais importantes pensadores contemporâneos e um dos principais teóricos da complexidade.

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