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A minha viagem da Horta ao Porto Santo - I

Horta[4]
Nunca a espera me foi tão envolvente como naqueles dias em que aguardei na cidade da Horta a chegada do ‘Windlise’, um veleiro proveniente das Caraíbas e com destino ao Porto Santo!
Por uma vez uma situação, ademais sonhada muitas vezes e ao detalhe, não só não saiu frustrada pelas expectativas como a inopinada suspeita, ‘Será o Windlise?!’, surgida ante a visão do veleiro que passava ao largo de Porto Pim, transformou a espera e os momentos passados a olhar o mar – sem dúvida uma das atividades a que mais me dediquei ao longo da vida – numa experiência única.
É desde criança que a presença do mar me acalma e desafia, mas esta foi a primeira vez que a senti próxima. Na verdade, nem ao mergulhar nas suas águas lograra a intimidade que senti ao inteirar-me de que aquele era o mar que traria o barco, cuja tripulação – a Astrid, o Dieter e o Achim – me enviara as ‘Boas-vindas a bordo’ de Antígua.
Olhar o mar e entrever, muito para além da linha do horizonte, o veleiro que me levaria mar afora, foi como se depois de ter passado anos a perscrutar um velho manuscrito sem qualquer resultado, tivesse lobrigado finalmente o sentido de uma frase que, apesar de mínima, me permitia sonhar com um íntimo e frutífero convívio. Olhar o mar, esquadrinhar o horizonte, ver os barcos a aproximarem-se do porto ou a entrarem na marina deixava de ser um ato ocioso por mais aprazível que também o fosse.
Não obstante as belezas naturais da ilha do Faial e a perspetiva privilegiada da ilha do Pico ou os Capelinhos, o vulcão que irrompeu a 28 de setembro de 1957, e a área circundante, a prioridade era estreitar esta incipiente e auspiciosa camaradagem. Degustar a crescente perceção de que a azáfama marítima com que tanto fantasiara já não me era totalmente alheia ou estranha.
Ao contrário das marinas, como a da cidade em que vivo, cheias de barcos remetidos à condição de brinquedos de verão, de marinheiros… nem vê-los, a da Horta estava repleta de barcos e de homens e mulheres do mar, dos mais diversos escalões etários, muitos dos quais acabados de atravessar o Atlântico.
Não era um deles. Mesmo que o desejasse, estava ciente de quão irrisória e precipitada seria tal pretensão. Contudo, a circunstância de estar à espera do ‘Windlise’ e em vésperas de embarcar, permitia-me deambular pelos cais de atracação, observar as pinturas que cobrem os muros e os pisos minimamente lisos nas imediações da marina e sonhar com paragens recônditas e exóticas para que remetem, entrar no ‘Peter Café’, misturar-me com homens e mulheres do mar – sobretudo ao fim da tarde quando, após os trabalhos de manutenção, vão tomar um copo e cavaquear um pouco – sem me sentir um intruso. Com efeito, este ambiente tornou-se tão meu que me esqueci de que não era ainda um deles e não me preveni com os comprimidos que, atendendo à minha inexperiência, eram recomendáveis.



Crónica do professor António Perdigão

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