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A criança: entre o prazer e o crescer

jogos de criançaHoje, ser criança não é o mesmo que ser criança há cinco séculos atrás, nem mesmo no tempo dos nossos trisavós, nas primeiras décadas do séc. XX. Naqueles tempos recuados, o tempo de ser criança era muito menor do que o de agora, porque a curta esperança média de vida e a dureza da vida a isso obrigavam.
Ser criança era um prazer, como ainda é, onde a brincadeira e a aventura imperavam, quase sempre sem limites precisos. As crianças agrupavam-se em pequenos bandos, que andavam à solta pelos campos ou pelas cidades, num regime de auto-vigilância, em que os mais velhos cuidavam dos mais novos, muitas vezes sem grande eficácia. Os adultos não tinham muitos cuidados, por isso não era anormal sucederem-se os acidentes, desde afogamentos (por brincadeiras em lagos ou ribeiras), até acidentes com animais, ou ainda devido ao descontrolo das interações entre elas, sendo a violência uma forma lúdica vulgar: “andando-se empuxando huuns aos outros e fazendo outras travessuras que fazem meninos” [José Mattoso (direção), História da Vida Privada, vol. I., p. 272]. Os meninos, claro, porque as meninas permaneciam sob o olhar atento das mães, mais confinadas ao lar. O prazer de brincar desenvoltamente, ainda que seja essencial para o crescimento infantil, como se vê, acarreta os seus riscos, para mais quando os adultos se demitem de refrear as pulsões desmedidas da infância.
Atualmente, os adultos mantém uma relação ambígua com os seus educandos, por um lado, mantendo as crianças institucionalizadas (escola, explicações, centros de atividades de tempos livres, atividades programadas…), mas, por outro lado, sendo muito relaxados nos programas televisivos que as crianças, acompanham, nos jogos de computador, nas relações sociais virtuais, etc.. Ainda assim, considero que a infância está mais protegida do que na Idade Média, por exemplo. Essa proteção é paradigmática no acesso ao saber formal, que se prolonga por vários anos. Antes só os mais ricos tinham direito ao ensino escolar, ficando a restante população entregue a uma aprendizagem por via oral, tão lata e tão curta quanto o saber acumulado pelos progenitores. Aquilo que se aprendia estava sobretudo relacionado com as profissões dos pais, pois passado o tempo de andar ao deus-dará, até cerca dos oito a dez anos, a rudeza da vida assentava nos frágeis corpos das crianças. Pelos doze anos não havia criança que não tivesse ofício e não labutasse já como um adulto. E as meninas não tardavam muito a casar e passar da tutela dos pais para a dos maridos.
Ainda que fosse conhecida a mão pesada dos mestres da escola, a qualquer criança que fosse dado a escolher (opção que não tinham) entre o pesado trabalho no campo ou das oficinas e a aprendizagem das letras e de outros saberes, a escolha seria sempre óbvia. Estudar era um privilégio a que poucos tinham acesso, e as meninas, mesmo das classes altas, também não. A vida das crianças processava-se entre as brincadeiras livres e naturais (e perigosas), quase sempre longe dos olhares dos mais velhos e, depois, de repente, pelo mundo do trabalho físico, onde deveriam ajudar a família a obter melhores rendimentos.
As crianças e os jovens de hoje podem considerar-se muito sortudos, em comparação com os do passado. Os seus pais conseguem garantir-lhes maior bem-estar material durante mais anos, permitindo que eles tenham mais tempo para se tornarem adultos, isto é, que assumam por inteiro as obrigações que a sociedade a todos impõe. Infelizmente, esta vida de facilidade é encarada pelos jovens como perfeitamente normal e garantida. Não é. A escola, que antes era um privilégio, tornou-se uma banalidade e muitos passaram a encara-la com aborrecimento, como se esta não tivesse nada para oferecer. Tenhamos nós, os adultos, a coragem e a persistência para explicar que a escola universal é uma conquista mantida com muito esforço, que deve alimentar não o prazer imediato os jovens, mas a alegria de virem a ser adultos mais informados e conscientes do mundo que os rodeia.
Aproveitem o tempo que a escola vos dá para crescerem da criança para homens e mulheres maduros e inteligentes (que não é o mesmo que serem espertos)!vida privada
David Roque
Professor de História
(Escola Secundária de Vila Real de Santo António)

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