Crónicas da Valéria - Agosto de 2017
Ao contrário do mês passado e do que escrevi na correspondente
crónica, o mês de Agosto foi completamente cheio de compromissos e
cansativo o suficiente para me pôr a desejar o começo da escola. Como de
propósito, mal acabei de me queixar de que
não tinha nada de especial para fazer, mil e uma coisas me caíram em cima
dos ombros. E, contra todas as possíveis expectativas, arranjei trabalho no
último (basicamente) mês do verão. Assim que saí de casa para entrar no tal
estabelecimento em que teria de passar os meus próximos 30 dias na
companhia de clientes exigentes e constantes dores de pernas, arrependi-me das
minhas próprias palavras.
Bem, pelo lado positivo pensei que trabalhar num
pequeno café me trouxesse, pelo menos, algum entretenimento e experiência para
futuros empregos. E realmente agora, olhando para trás enquanto escrevo esta
crónica no conforto da minha cama, posso dizer que me trouxe muito mais que
isso.
Em apenas 26 dias conheci um mar de pessoas,
todas de feição e feitio diferente. Qual não foi a nacionalidade, sotaque, ou
preferência de café que me passou pelas mãos! Não seria de pensar
que, (pelo menos pessoalmente) aos meus tenros 16 anos de idade, estaria a
servir aguardente velha a vizinhos meus dos quais nem eu antes sabia o nome. E
sim, posso também assegurar que o mês de Agosto foi o mês da minha vida no qual derramei
mais café, cerveja, vodka e todos os possíveis whiskys em cima da minha
farda— ao ponto de chegar a casa e trazer comigo o cheiro de cansaço misturado
com bagaço velho.
Foi difícil, claro, isso não posso
desmentir. Antes deste mês, olhava para os empregados de mesa dos cafés que
visitava e pensava "ah, quem me dera ter um trabalho tão fácil mas tão rentável" — mas após tudo
isto, o mero pensamento destas passadas assunções traz-me um riso à boca.
Descobri que lidar com pessoas nem sempre é tão
fácil quanto parece. E descobri também que, de entre todos os clientes de TODAS
as nacionalidades diferentes, os portugueses são a bolacha mais difícil de
roer; especialmente os do Norte. . .
Lembro-me de estar a tirar pedidos, a correr de
trás para a frente, de frente para trás, a carregar tabuleiros, lavar a loiça,
tirar cafés, e tudo e mais alguma coisa quando um senhor impaciente me puxa
pela manga do braço para subtilmente me dizer; "está a demorar muito tempo
para me tirar o pedido, posso pedir já :) ?"
E claro, que remédio ! Com um sorrisinho forçado lá vou eu, a
correr de volta para o balcão para tirar o raio de um café "sem
princípio" — ou como lhe chamam cá, um carioca. Entretanto aparece mais
algo para fazer, e depois mais algo, e assim sucessivamente. Qual não
é a minha cara quando me aparecem à frente um grupo de Nortenhos, a pedir-me
tremoços e panachês.
"Desculpe, panachês ?" —
pergunto-lhes com cara de quem não está minimamente informada sobre o dialeto
deles.
"Sim, aquela bebida em que misturam cerveja
com sprite, sabe? A menina
não conhece?" — respondem-me de volta, com aquele sorriso estúpido e
cara de quem me toma por ignorante.
"Ah sim, um shandy, trago-o já" — sorrio
como quem se acabou de humilhar publicamente por não conhecer tal palavra.
"Mas nós não queremos shandy, queremos panachê !"
"Desculpe, sim, é isso. É que aqui o sul chamamos-lhe Shandy. Haha."
Enfim..... após tanta conversa fútil
para trás e para a frente, lá vou entregar o tal "panachê" aos senhores e
depois limito-me a ficar dentro do bar a servir cafés ao balcão, pedindo à
minha colega para ela ir servir mesas lá fora porque eu já não tenho paciência
para o fazer.
Na verdade com esta conversa
toda, até faço parecer que não tive momentos bons no café onde trabalhava . .
.
Posso dizer que uma das partes mais
gratificantes de toda esta experiência foi conhecer as pessoas. Clientes
regulares que vinham todos os dias, à mesma hora, beber a mesma coisa de sempre
— ou até estrangeiros que vinham almoçar durante a semana antes de partirem
para os seus destinos para voltar no próximo ano.
Ficava muito cansada, era verdade. Por vezes
chegava a casa quase a rastejar para cair para cima da cama e dormir algumas
horinhas para voltar a repetir tudo no dia seguinte. Mas não havia nada melhor
do que começar o meu turno ao entrar no café no dia seguinte e ser
cumprimentada pelo senhor Zé, a senhora Inácia, o senhor Armindo do carioca e o
Sebastião, cão do Sr. Carlos que o acompanhava
todos os dias até ao café. Fiquei a conhecer muitos hábitos e gostos novos, bem como pessoas incríveis ou
outras menos incríveis mas que me ensinaram lições importantes. Foi como um
cheirinho da vida adulta — algo muito valioso para uma pessoa da minha idade.
Descobri que 'ser adulta' é mais difícil do que parece, e nunca ninguém me
dará um desconto em nada do que farei. Mas, no final de todo o trabalho e por
mais exausto que se fique, há sempre uma recompensa– neste caso o ordenado.
Simples e efetivo. No final de contas, posso
dizer que esta crónica foi sobre uma das etapas mais importantes da minha vida
até agora. Pouco a pouco noto que vou ficando mais velha, como todos nós. E se
isso significa trabalhar turnos de 8 horas todos os dias e fritar nervos à pala
de certos clientes,
Li e aceito os termos de uso.
Coordenação e revisão de texto –
prof. Fernando Ildefonso
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