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Bichinho-de-prata (Lepisma saccharina)























Que sabia eu do bichinho-de-prata (Lepisma saccharina), para além das ténues memórias? Memórias que, não sendo de nojo ou repugnância, como as que tenho das baratas, ou mesmo de alegria, como as dos bichos-de-conta, ainda assim existem. Apesar de não impressionantes, as memórias que recordo desses bichos não se foram, estão impregnadas.
Mas por que motivo não olvidei esse bichinho? Pela semi-precisosidade do seu nome comum – bichinho-de-prata? Não me parece. Decidi então procurar nos livros.
Estes animais são aquilo que os biólogos designam por cosmopolitas. Não por irem assistir a passagens de modelos a Nova Iorque, ou jantar a Paris, porque também o fazem, mas antes porque são encontrados em ambientes domésticos um pouco por todo o mundo.

Fujo da luz, porque não me é boa. Há qualquer coisa no sossego da sombra que me faz bem. Discreto e fugidio como sou, é no escuro que me sinto em casa.

Quais ratos-de-biblioteca, abominam a luz, escapando-se para locais escuros mal são descobertos. Os seus olhos compostos são muito reduzidos, valendo-se este animal de outros sentidos para sobreviver.
Os bichinhos-de-prata, insectos da ordem Zygentoma, possuem o abdómen achatado e longas antenas. Esta ordem também inclui outras 470 espécies recentes, sendo encontrado o seu membro mais antigo em rochas que datam do Cretácico inferior do Brasil, com 108 milhões de anos idade.

Julgam que não como os compêndios, não devoro os manuais, não engulo papel, enfim. A verdade é que sou letrado, não pelo estudo, mas pelo estômago.

Literalmente letrados, porque é esse um dos seus ambientes humanos preferidos, entre palavras e letras. Refugiando-se da luz e procurando um ambiente ideal para se alimentarem, os bichinhos-de-prata instalam-se entre páginas de livros. Por aí andam, embora não só de celulose se alimentem, já que poeiras e outros restos orgânicos fazem parte da sua alimentação. Como poucos outros insectos que se alimentem de restos orgânicos, os bichos-de-conta possuem substâncias que transformam a celulose (enzimas), não necessitando de estabelecer parcerias com bactérias para digerir o material de que são feitos os livros.

Sempre que um desses bichos enormes abre os livros onde me escondo, fujo, e se por algum motivo me apanham, as bestas enormes ficam com as suas mãos cobertas de restos das escamas prateadas que revestem todo o meu corpo.

Sem asas e com apenas um centímetro de comprimento, safam-se rapidamente com as suas seis pernas sempre que regressamos a um livro há muito fechado. No último segmento abdominal têm três cerdas que lhes conferem o seu aspecto característico, para além da cor prateada que lhes valeu o nome comum.
E a fama de bicho letrado. Pelo menos para mim.

Apesar de não ser esquisito, há autores que prefiro para os meus repastos: o negrume das páginas de um  livro de Saramago deixa-me, por vezes enfastiado; o branco em excesso dum poema da Sophia, apesar de satisfatório, causa-me algum desconforto, pois sinto-me desprotegido. Já a assimetria dos textos do O’Neill me deixa um pouco sem saber para que lado ir.


Luís Azevedo Rodrigues

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