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O coração dos homens

Quando, há tempos, falava com um amigo sobre um livro que tinha lido, intitulado O Coração dos Homens, este comentou quase depreciativamente “ Deve ter sido escrito por uma mulher, não?!” . Podia entrar pela questão (que, julgo, continua questionável!!) de que há literatura feminina e literatura masculina, mas deixarei isso para estudiosos literários, que não é esse o meu papel nem sequer o que me levou a escrever estas linhas. Faço-o para partilhar a leitura de um romance que considerei belo, singular e perturbador.

Imagine-se uma estrondosa noite de tempestade, em que o céu é rasgado por uma miríade de raios, a água jorra violentamente e quase somos sacudidos pelo alarde da trovoada. Algo aterrador, mas, sem dúvida, belo. A natureza em estado bruto. A dureza das palavras de Hugo Gonçalves também nos sacode, de tão violentas e cruas que são, embora tão verdadeiras e reais.

O Coração dos Homens passa-se numa Cidade-Estado, onde não existem mulheres nem é permitida a sua entrada. Ele, Mau e Grande são um grupo de amigos que cresceu nesta cidade e pratica a violência como única forma que conhece para afirmar a sua virilidade, mas também como um meio de esconder as suas emoções. O prazer só o conhecem através do corpo. O corpo é tudo, a a alma nada. O físico é a imagem que tem que predominar. A amizade, a amizade masculina, é levada até às últimas consequências, não podendo jamais ser quebrada. Todas as peripécias que se desenrolam à volta deste trio têm como principal objectivo conter as emoções, não permitindo jamais que perpasse pelos seus corações, e sequer pelos seus semblantes, um único fio de sentimento, por mais ténue que seja.

A pesada herança milenar que os homens carregam nos ombros é forte e duramente retratada neste romance, onde o macho só é macho se se contiver emocionalmente. Chega a ser doloroso, mas ao mesmo tempo fascinante, ler a emoção a querer explodir, mas o corpo tem que a segurar.

É absolutamente incrível como este autor, descrevendo o que é tão delicado - a amizade, a solidão, o amor - com palavras e cenas tão duras, provoca no leitor sentimentos quase de ternura relativamente às personagens.

Embora não afirme peremptoriamente que há um universo masculino e outro feminino, no que toca à tendência da escrita, sinto (não digo) que este romance dificilmente poderia ter sido escrito por uma mulher.



Nota: O primeiro romance do autor, igualmente fascinante, é uma dissecação cáustica da sociedade actual. Chama-se O maior espectáculo do mundo e é da Oficina do Livro.



Professora Margarida Pereira

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