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9h-13h e 15h-19h

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Todos os dias aprendemos e é também por isso que a vida faz tanto sentido. Reparem na primeira frase ali atrás, vejam o rumo filosófico que esta brevíssima introdução já está a tomar e sintam a desmedida satisfação que me toma por estar a conseguir dar esse cunho profundo às palavras que aqui vos deixo.

Todos os dias aprendemos. Mas há aqueles em que essa aprendizagem é maior e, por isso, sentimos que esse conhecimento que se nos revelou tem um caráter mais profundo, podendo ser entendido como uma lição de vida, um ensinamento cabal e profundo, que poderá alterar a forma como orientamos o nosso percurso. Ora, foi justamente isso que ontem me aconteceu! Partilho-o aqui, porque há outros professores que, seguramente, sentem como eu e necessitarão desta lição. Tomem-na por lema!

Falei ontem com um pai, daqueles a sério. Presente, preocupado e interessado. O contacto foi telefónico. Apresentei-me e disse-lhe a que ia, que tinha informações para lhe dar sobre o filho, cujo comportamento e aproveitamento andavam pelas ruas da amargura. Queria explicar-lhe as razões da minha preocupação, que é a mesma de todos os professores... foi então que percebi a minha inconsciência, a minha ousadia, a minha leviandade! Percebi-as apenas quando, numa voz indisfarçadamente irritada e uns decibéis acima dos que são ditados pela educação e pela delicadeza, obtenho como resposta, esta que passo a citar: Minha senhora, estou na minha hora de almoço e não quero ser incomodado... corto aqui, na escrita, a palavra a tão extremoso pai, porque foi isso que aconteceu no registo oral, em que se estabeleceu esta comunicação. Cortei-lhe a palavra, porque, note-se aqui a minha inclinação visionária, não queria, de forma alguma, escrever neste texto os impropérios que achei que se seguiriam àquela frase proferida por quem estava a almoçar. Além disso, falar com a boca cheia já ultrapassa os meus limites de polimento e decência, nem saberia, aliás, como caligrafar os pequenos perdigotos que, inadvertidamente nos saem pela boca fora, quando misturamos comida, saliva, indignação e irritação, ingredientes todos eles unidos naquela frase que me foi dita e que, por isso, tive de cortar.

Passei, então, à contrarresposta, dizendo: “Caro senhor, também estou na minha hora de almoço, mas não estou a usufruir dela, por causa das asneiras que os seu filho faz. Tenho informações importantes para dar. Quer ouvi-las, muito bem, caso contrário, não perco mais tempo!” e a partir daqui tudo mudou. Ao gelo inicial, sobrepôs-se uma olerosa primavera de suaves aromas e delicados chilreios de pássaros. Que sim, que estava disponível para uma conversa calma e educada. Para me certificar de que assim seria, perguntei ao extremoso pai se conseguiria descobrir essa educação de que tanto se havia desencontrado naqueles primeiros momentos, e lá se agendou, para data incerta, essa promessa de diálogo.

Qual a aprendizagem que daqui tirei?

A certeza de que muitos pais e encarregados de educação há muito se demitiram do seu papel, passando a batata-quente para as mãos dos professores, para assim poderem apontar a alguém uma incompetência que lhes pertence como únicos responsáveis pela conduta dos seus educandos.

Aprendi que os sucessivos enxovalhamentos de que muitas vezes somos vítimas se deve a nós, professores, que diariamente aceitamos que nos destratem da forma como este extremoso pai de que vos falo tentou fazer comigo, e como outros, em tempos o fizeram.

A certeza de que, para grande parte (infelizmente, creio que a maior parte) dos pais e encarregados de educação, cabe aos professores a tarefa de disciplinar os seus educandos, que nunca foram devidamente educados, sobretudo para lidar com a frustração. Mas atenção que aqui há um pau de dois bicos, pois o professor deverá discipliná-los, mas de mansinho, não vá a criança, cuja idade, muitas vezes, já vai para lá dos 16, 17 anos, melindrar-se e arranjar um complexozinho, que é a forma mais simples, eficaz e muito em voga, para se infernizar a vida a alguém. E se essa disciplina for mais veemente por parte do professor, sei lá, ir, por exemplo, ao extremo de pedir ao aluno que saia da sala de aula, corre-se o risco do pai/ encarregado de educação vir à escola pedir explicações, e se assim for, será uma sorte, pois poderia vir, como agora começa a estar na moda, poderia simplesmente vir para açoitar o professor, que não está a disciplinar o seu filho, aquele sobre quem há muito perdeu o controlo.

Finalmente, aprendi que ser pai é uma coisa que obedece a um horário, presumo que de 8 horas diárias como em qualquer profissão. Parece promissora a carreira... fica aqui a minha disponibilidade para trocar de profissão com este extremoso pai: ele passa a ser professor, para educar e acompanhar o filho, para conversar com ele, para o formar, para o ouvir, etc. e eu assumo o seu papel: pai das 9 às 13 e das 15 às 19.

E que não se atreva a vir importunar a minha hora de almoço!

Antónia Mancha

2 comentários:

  1. Parabéns! Não é inveja. Tento que tal não me acompanhe mas gostava de conseguir escrever assim !

    Ana Beatriz Filipe

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  2. Obrigada, Ana,sabe bem o reconhecimento dos nossos pares, sobretudo aqueles que nos merecem a máxima consideração.

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