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Aqui Está o Busílis! A origem de expressões idiomáticas e ditos graciosos em língua portuguesa

 

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Quantos de nós, no decurso da nossa atividade de professores ou meramente enquanto observadores ou interlocutores numa conversa, já nos deparámos com dúvidas próprias ou alheias em relação a expressões idiomáticas ou ditos graciosos? Muitos certamente. Quantos terão persistido no esclarecimento dessas dúvidas? Poucos, até porque a natureza da expressão idiomática requer a verbalização rápida, tangível e a compreensão imediata por parte dos falantes, caso contrário o seu tom tantas vezes irónico, sarcástico e até hiperbólico fica posto em causa, ou seja, perde-se a piada decorrente da partilha do significado da expressão. Bem vistas as coisas, as expressões idiomáticas são a transposição para o seio da comunidade falante do que comummente apelidamos de private jokes.

Atentemos no seguinte diálogo ficcionado entre dois alunos portugueses, cuja incapacidade de análise de um texto literário provoca uma acalorada troca de expressões/termos idiomáticos.

Aluno A: Esta agora!? E o que é que o stôr quer com esta pergunta? Não percebo nada! Epá, isto é um bicho de sete cabeças. Como é que estás a fazer esta?

Aluno B: Qual bicho qual quê!! Deixa-me, faz tu sozinho! Lê outra vez, pergunta ao stôr… Eu também não sei. Acho que o busílis da questão está aqui nesta palavra. O problema é que não sei o que quer dizer…

Aluno A: O bus…quê? Tás a dizer coisas esquisitas. Cá para mim tás é a querer boicotar o meu trabalho. Melhor…o stôr é que está a querer boicotar a minha nota com estas perguntas do arco-da-velha.

Vejamos como uma troca aparentemente banal de desabafos sobre a inaptidão de análise literária pode conduzir-nos numa viagem fascinante pela história e evolução da língua portuguesa:

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· “bicho de sete cabeças” – alusão clara ao mostro mitológico de sete cabeças, chamado Hidra de Lerna, que Hércules matou num dos seus doze trabalhos. Fazer um bicho de sete cabeças de qualquer coisa é exagerar as dificuldades por falta de disposição para realizar uma tarefa (algo nada comum nos nossos alunos, convenhamos);

· “o busílis da questão” – é equivalente a dizer, “aqui está o problema ou a dificuldade”. A acreditar nos testemunhos de João Ribeiro, Vicente Vega e Artur Rezende, a expressão já circulará na língua portuguesa há mais de três séculos, tendo como origem o uso incorreto da expressão latina in diebus illis. Daqui terá resultado o termo “busílis”, intraduzível, na verdade;

 

Gustave Moreau (1826-1898), Hércules e Hidra de Lerna, 1875/76 (óleo sobre tela)

clip_image002[6]· “boicotar” – pois é, boicotar também tem uma história engraçada; segundo Magalhães Júnior a palavra tem origem no nome próprio de Charles Cunningham Boycott, capitão inglês que exerceu na Irlanda, em 1873, o cargo de administrador de propriedades. Contra os seus desmandos insurgiram-se os membros da Liga Rural Irlandesa, conduzindo-o à demissão do cargo, ao não aceitarem as suas ofertas de trabalho. Assim se terão forjado os termos em inglês to boycott (boicotar) e boicotting (boicotando), numa clara alusão à resistência irlandesa face às exigências do dito capitão;

· “arco-da-velha” – em relação a esta última expressão, a origem não é clara; a mais comum faz coincidi-la com o arco-íris, advindo daí o seu uso como sinónimo de surpresa, espanto.

E ainda dizem que aprender português não é difícil…

(para a realização deste artigo forma consultadas as seguintes obras: Dicionário de Provérbios, Locuções e Ditos Curiosos, de Magalhães Júnior, Seleções do Reader’s Digest)

Caricatura do capitão Boycott,1881.

 

Carla Escarduça

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