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A minha viagem da Horta ao Porto Santo - V

ilha-do-pico-acoresNão era só o enjoo a atormentar-me. Além de não saber como me opor a esta imprevista e inconcebível contrariedade, não tinha como me desculpar ante os olhares tão surpresos quanto compadecidos quer da Astrid e do Dieter, quer do Achim, que tão calorosamente me haviam recebido a bordo. Nem a atenciosa sugestão do Dieter para que fosse deitar-me no beliche – seria a melhor forma de recuperar – me aliviou do pesado incómodo que sentia estar a causar.

A rapidez com que tudo se precipitara tornava a minha situação ainda mais incompreensível e inaceitável. O local de partida continuava à vista e eu já começava a ansiar pela chegada a Santa Maria! A lucidez ditada pela indisposição dizia-me que não havia nada a fazer que pudesse melhorar o meu estado. O primeiro trajeto, ou seja, o que mal havíamos iniciado, era para esquecer.

Deitado no beliche com um pequeno balde, ao lado, e o estômago às voltas, o humor surgiu como o único recurso para amenizar o meu infortúnio. Lembrei-me mesmo desta certeira e auspiciosa recomendação: se me deixasse levar ao sabor da ondulação do barco e da onda, não enjoaria por certo! ‘O segredo reside em tornar-me um com a embarcação e o mar’, assegurei com o ar mais convicto e sério deste mundo!... Por conseguinte, se não gargalhei da juvenil e reincidente pretensão de alcançar a mais perfeita sintonia com o mar e o mundo em… proveito próprio, eu que assistia, atordoado e impotente, ao desrespeito dos mais profundos anseios por parte do meu estimado estômago, foi apenas por o mal-estar não mo permitir de todo.

Tinha que reagir. Lá por pesarosamente reconhecer que a idílica ambição de enfrentar as ondas com a ligeireza de um animal marinho tivesse sido um completo disparate ou uma remanescência – dos tempos dedicados à leitura das aventuras de Jack London pelos mares do Oriente – declaradamente fora de horas, não me resignaria ao papel que sua excelência, o estômago, me reservara. Na verdade, se não reagisse, o mais provável seria só me levantar quando aportássemos em Santa Maria, o que de maneira nenhuma estava disposto a aceitar, conquanto o melhor fosse deixar-me deitado por mais algum tempo e, de acordo com o conselho do Dieter, esperar que dormitasse. Se adormecesse talvez recuperasse e até o estômago se esquecesse da birra que fizera ao ver-se privado da segurança da terra.

A ilha do Pico ainda se perfilaria, decepada, no horizonte quando assomei ao convés com o pequeno balde na mão e sem o mínimo interesse em registar a imagem do último pedaço de terra a afundar-se. Queria mostrar ao impertinente órgão que não fazia tenções de ceder aos seus caprichos, mas também aos meus companheiros que não me deixava ir abaixo à primeira contrariedade. O estômago é que não se intimidou com a resolução e, pouco depois, lá estava eu, de novo, debruçado da amurada, assinalando a minha passagem pelo imenso oceano.

António da Vargem Perdigão

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