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Crónicas da Valéria - Novembro 2017

Passado mais um mês e  vários quilómetros caminhados por este trilho desconsolador, chegámos, finalmente, à nossa próxima paragem. À nossa frente ergue-se uma gigante placa de madeira velha, riscada e oxidada. A sua superfície, rude e desgastada pelo tempo, soletra 9 letras a vermelho, uma tinta também já desvanecida e certamente centenária: A N S I E D A D E.
O aspeto desta mesma placa deixa transparecer, inevitavelmente, claro que está, juntamente com o sentimento que propaga, que se encontrava neste mesmo sítio desde o princípio. “Desde o princípio de quê?” podem-me perguntar; ao que vos respondo: – Desde o princípio do caminho escolar. Mais especificamente, desde o início da entrada no 2º ciclo; contudo os seus efeitos são mais frequentemente visíveis no secundário.
No momento em que somos mergulhados de cabeça no ambiente escolar, ficamos totalmente expostos a uma multitude de personalidades e caras diferentes, umas mais ou menos hospedeiras que as outras. Somos sujeitos a centenas de olhares estranhos, risos de fundo, especulações, corredores apertados e ocasionais encontros desagradáveis com sujeitos que preferíamos nem ver. Muitos sabem lidar com isso. Outros tantos triunfam por cima de todas estas circunstâncias com a ajuda da sua própria autoestima ou capacidade de criar laços de amizade neste mar de pessoas, no qual outra grande parte se acaba por afogar. Afogar como? Afogar,  simplesmente! Sentir-se à deriva, impotente e incapaz de ganhar coragem para sequer tentar cumprimentar aquela pessoa que observa durante as aulas numa ânsia constante, incessantemente a pensar em como seria maravilhoso ser sua amiga. Esta falta de confiança, aliada ao contínuo pensamento de “eu não sou bom/boa o suficiente” priva muitos alunos de viver uma boa vida e ter uma experiência escolar agradável; tal como aquela que vemos nos programas televisivos direcionados aos adolescentes entre os 14 e 19 anos.
Ao chegarem a casa e “rastejarem” para a segurança dos seus quartos, muitos são confrontados com o sorriso da própria mãe e a frase “então como correu a escola? Bem?” “Correu bem, mãe. Tenho trabalhos de casa para fazer, vou para o quarto.” Esta ingenuidade quase perigosa torna-se um modo de vida; uma máscara, um refúgio. E não só os envolve num casulo só deles, como também os afasta de todos os outros, aqueles que nos rodeiam. Pouco a pouco, este mar de pessoas consegue afasta-los cada vez mais; e alguns nunca mais regressam.
Medo de pedir ajuda, receio de não serem aceites, vergonha de se exporem em frente a um público, ou até limitados pelo seu próprio orgulho. Quebrar este ciclo vicioso de teatralização e sentimentos fingidos torna-se cada vez mais difícil, como também cada vez mas pesado de carregar. O próprio processo de escrever este texto revela-se difícil para mim também, sendo que neste momento sustento os sentimentos de milhares e milhares de alunos por todo o mundo. Milhares de alunos que passam despercebidos por entre os corredores das escolas, milhares de alunos que ainda se sentem obrigados a criar uma faceta alegre de si mesmos para fazer frente aos ocasionais “está tudo bem?” que tanto os atormenta; que tanto faz o seu coração pulsar e os seus ossos estremecer por debaixo da sua carne. É difícil, pois tal como estas pessoas de quem muitas vezes ouvimos falar em livros ou vemos em filmes, (mas nunca suspeitamos da sua existência no nosso dia-a-dia) já sofri do mesmo. Posso até dizer que ainda o faço hoje. Claro que isto não é, no meu caso, um sentimento constante – contudo, aparece de vez em quando sem convite, como um convidado indesejado. Este retira-nos a própria motivação de viver, tornando difícil até o simples ato de levantar da cama para fazer o que seja. “Não me apetece.” “Para quê?” “Isto não tem sentido.” “Só quero dormir o dia inteiro. . . e com sorte nunca mais acordar.” Todos estes sentimentos são-me,  a mim, muito familiares; como também a própria ideia de que existem outros tantos milhares como eu, espalhados pelos 6 continentes do mundo. Muitos deles nem têm a mera noção do seu próprio estado, e é por essas mesmas pessoas que escrevo esta crónica. É por essas mesmas pessoas que exponho as minhas experiências pessoais, é por essas mesmas pessoas que dou a minha voz. . . para lhes dar a SUA voz.
O final deste trilho aproxima-se, com cada passo que damos em frente. Por agora, continuaremos a rasgar o seu caminho. . . até chegarmos ao destino final.

Texto de Valéria Tabacaru – 11ºC
Coordenação e revisão de texto – prof. Fernando Ildefonso

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