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Crónicas da Valéria - Maio de 2018



O mês de Maio foi um mês estranho. É como algo que nem é carne, nem é peixe. Para mim, o mês de Maio sempre foi aquele mês que marcava a passagem das semanas finais de aulas para o começo das férias, fazendo a ponte entre Abril e Junho. Por norma, para mim, este mês passa, todos os anos, bastante devagar. Por norma não costumo fazer nada de especial durante este mês, por norma não vou a muitos eventos, e por norma também não me dou pessoalmente ao trabalho para o tornar mais interessante. Apenas espero que passe e dê inicio a um dos meses mais antecipados do nosso calendário. Contudo, desta vez quero escrever sobre algo que vim a descobrir e sentir à flor da pele durante o quinto mês do ano, e que tem exatamente a haver com a perceção que me despertou: Tal como Maio marca a mudança para o Verão, para o descanso, o sol e os mojitos, o tema que escolhi interpretar neste capítulo é também, a própria mudança. Mas desta vez não de estações do ano, mas de pessoas, como seria de imaginar.
     Tudo isto me surgiu num momento de epifania quando me encontrei com uma pessoa do meu passado. Não é que tenhamos perdido o contacto, simplesmente ficamos a conhecer-nos melhor, parecendo até que tínhamos ficado a conhecer pessoas completamente diferentes. Essa pessoa, no momento em que a conheci, era, à minha semelhança, bastante cínica, aparentemente intocável, emocionalmente complexa e difícil de entender de um ponto de vista emotivo. Partilhávamos, com pouca frequência, conversas filosóficas entre os dois. Sobretudo questões sobre o caráter e o comportamento humano, partilhando pontos de vista sobre a sua natureza através de descodificações de charadas, discordâncias sobre o que considerávamos certo ou errado nas ações de uma certa pessoa, e simples conversas que tipicamente começavam com “Olá, posso te fazer uma pergunta?”. Apesar de tudo, eramos distantes. As nossas interações não passavam de simples trocas de opiniões, objetivas e muitas vezes bastante rápidas e fáceis de dar. Não nos conhecíamos como pessoas, não eramos “amigos”, mas sim simples estranhos que, de vez em quando, se sentavam para conversar. Isto aconteceu tudo um ano atrás, mais precisamente no mês de Maio, quando nos conhecemos. Na verdade quando decidi escrever este texto, não tinha planeado esta coincidência: escrever algo em Maio, sobre algo que se passou exatamente há 12 meses atrás, no preciso mesmo mês.
     Hoje, é diferente. Tornamo-nos mais do que simples desconhecidos que esporadicamente se cruzavam na mesma avenida. Hoje eu conheço essa pessoa e essa pessoa conhece-me a mim, a um nível mais pessoal. Para ser completamente sincera não me lembro exatamente do que fez com que mudássemos a maneira distante com que nos relacionávamos, mas o que for que tenha sido, foi bom. O seu intelecto ajudou-me a crescer e a percecionar certas coisas de maneiras diferentes. Aprendi, antes de mais, a ver o mundo pelos olhos de outra pessoa, e a respeitar, compreender, e, acima de tudo, a aceitar as suas diferenças, as suas perceções, as suas maneiras de ver o exterior. Eu também ensinei essa pessoa outras coisas, por mais triviais que tenham sido. Moldámo-nos e criámos um núcleo de entreajuda entre os dois.
      Voltando ao fio inicial, quero dizer, com isto tudo, que esta pessoa me colocou uma pergunta bastante interessante. Normalmente costumávamos acordar em muitas coisas, mas esta questão mostrou-se subjetiva a cada um de nós.
                                        “Ao longo das suas vidas, as pessoas mudam?”
A minha resposta foi que não. A dele, foi que sim, claramente mudam. Na verdade, nós erámos os perfeitos exemplares para responder à nossa própria pergunta. Ele disse que, há um ano atrás, conhecia-me a mim como uma pessoa totalmente diferente. E eu concordei, que sim, se no passado mês de Maio me tivessem dito que a pessoa racional, inabalável e intimidante que ele era me fosse agora assim tão próxima, a nível de partilha de experiencias e emoções pessoais, eu, no cenário mais provável, ir-me-ia rir e dizer que isso seria impossível. Mas aqui estávamos nós. Conhecíamo-nos para álem da primeira camada, como se cada um fosse um magnífico quadro Barroco com opulência de formas, e cores, de texturas e de profundidades. Havia muito mais do que os olhos podiam fixar à primeira vista, e, com o tempo, todo esse esplendor mascarado por detrás das formas iniciais foi florescendo e transpondo-se para o primeiro plano, criando um laço de confiança e empatia. Então desta forma não era evidente que as pessoas mudam? Ele perguntou-me, e eu respondi, ainda assim, que não.
“Explica.” Disse-me ele.
Verbalizar pensamentos era para mim difícil, não era como escrever. Talvez se me tivessem dado uma caneta e um papel eu teria sido capaz de escrever um ensaio completo a expressar a minha opinião. Mas, através da mera voz, a explicação ficou um pouco aquém. “As pessoas são como cebolas”, (Lembrei-me de um filme da minha infância ao o dizer, o Shrek.) solucei eu por detrás de uma manta imaginária de vergonha. Cebolas? A sério? Isso foi o melhor que conseguiste dizer? Apesar da analogia inicial deveras peculiar, tentei desenvolver. “São como cebolas porque têm várias camadas. Uma camada é coberta por outra e essa sobrepõe-se a outras.”
Acham que conhecem alguém apenas com base na visibilidade de uma camada, mas e as ocultas? Como as desvendar é uma questão que algumas pessoas enfrentam nos seus relacionamentos com os outros e podem, por vezes, ir longe demais no processo. É muito importante conhecermos as pessoas, especialmente aquelas que nos são próximas e, ao conhecermos alguém em profundidade, é importante estarmos curiosos sobre o que as motiva. Eu sempre achei que no fundo, uma pessoa não muda. Nós nascemos com o que realmente somos, intrinsecamente, e apenas nos revelamos à medida que o tempo passa, à medida que nos encontramos com pessoas ao longo do nosso caminho que nos ajudam a nos mostrarmos ao mundo. Contudo, sempre defendi o livre-arbítrio. Foi aqui onde o meu opositor encontrou a hipótese de retaliar. “Mas dessa forma, não estás a tomar uma posição radicalmente determinista?” E ele tinha razão. De facto, estava. Assuntos como estes são frequentemente tratados na área da psicologia, algo de que ambos gostávamos. De acordo com estudos realizados, uma pessoa consegue, de facto, mudar. A longo prazo desenvolvemos as nossas capacidades cognitivas e evoluímos dando maior e melhor expressão às capacidades com as quais já nascemos. Mudamos a personalidade, alguns traços mais sujeitos a mudança que outros. No fundo, esta é a resposta realista e objetiva. Apesar de odiar admitir as minhas derrotas, tenho de dar crédito ao meu parceiro por levar esta no saco, desta vez.
        Talvez a idealização do humano imutável provenha de uma necessidade de justificar comportamentos e ações através de algo constante, como a natureza de uma certa pessoa. Se o “núcleo” não muda, então tudo o que esse individuo desempenha ao longo da vida é uma consequência direta do seu caráter, que poderá apenas a vir revelar-se anos mais tarde. O tema da mudança é algo que irá para sempre causar divergência de opiniões mas, tal como eu cheguei a um meio termo com este meu parceiro, acredito que os demais também o devessem fazer. A mente humana é, apesar do seu tamanho fisicamente reduzido, um poço infindável de matéria de estudo. E cada vez menos se encontram pessoas realmente curiosas ou ambiciosas o suficiente para encarar o desafio de a tentar descodificar. Pessoalmente, posso dizer que tenho sorte. Tenho sorte por conhecer alguém que partilhe este meu interesse e esteja disposto a me ajudar, em troca de ajuda também.

Texto de Valéria Tabacaru – 11ºC
Coordenação e revisão de texto – prof. Fernando Ildefonso

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